Já se faz hipnose nos hospitais portugueses

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Um centro de pesquisa inédito altera estados de consciência pela meditação guiada e simula o túnel de quase morte.

À medida que percorre um túnel imaginário, Mário Simões (na foto) cruza-se com os antepassados e visualiza os avós quando eram jovens. A luz branca desta passagem quase mística torna-se cada vez maior, ocupando todo o espaço de visão. Sente-se sereno, perde a noção do espaço e do tempo. Até que alguém conta até quatro: acorda e regressa ao estado inicial. Os papéis invertem-se: um dos maiores especialistas nacionais em hipnose clínica é induzido, numa sala, por um hipnoterapeuta.

A experiência-limite é a de quase morte, simulada em meia hora, tal e qual os relatos de quem passou por ela – e sobreviveu. O médico não ouviu músicas celestiais, como tantas vezes dizem. Mas o despertar é unânime. “Os efeitos são fantásticos. Há uma mudança de comportamento destas pessoas, tornam-se mais espirituais”, explica à SÁBADO o psiquiatra de 67 anos, desde os 18 fascinado pela Parapsicologia científica. “Comecei a fazer isto há quase 10 anos, induzindo plateias de 100 pessoas. É possível em grandes grupos, já fiz com colegas médicos e em encontros de Psicologia Transpessoal.”

A comunidade científica por vezes não o entendeu, mas Mário Simões distanciou-se sempre da hipnose de palco (a dos programas de entretenimento de efeitos duvidosos). “Nunca hostilizei os colegas. Aceitei as críticas sem ser militante.” E aliou estas áreas de fronteira às suas consultas e congressos.

Mas faltava dar o salto para a investigação científica: um think tank, credenciado, que disseminasse este campo, um laboratório onde a hipnose clínica, a meditação e a imaginação guiada estivessem inseridas nas pesquisas.

O sonho de Mário Simões começou a ganhar forma entre 2012 e 2013, em parceria com a fundação Bial. As instalações de 50 m2, inauguradas em 2015, são no mesmo edifício onde dá aulas de Psiquiatria e de Introdução às Ciências da Consciência: a Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa cedeu o espaço, paredes-meias com o hospital de Santa Maria. Um casamento improvável no meio académico. “Pelo menos com esta abertura, é sem dúvida pioneiro em Portugal.”

O nome, LIMMIT, traduz o esforço: não só é a sigla de Laboratório de Interacção Mente-Matéria de Intenção Terapêutica, como faz alusão às experiências limite que ali nascem – cerca de 15 em duas salas, num corredor labiríntico do edifício.

Transmissão de pensamentos
Com 15 colaboradores, uma extensão no hospital de Castelo Branco, outra na Universidade dos Valores, em Mafra, e quatro projectos em curso, o LIMMIT além de reproduzir o túnel de quase morte em pessoas saudáveis, testa outras áreas. Exemplo: transmissão de pensamento à distância entre dois voluntários – o emissor tenta influenciar positivamente o receptor na melhoria de uma tarefa, sem interacção directa. A três quilómetros, o segundo só sabe em que momento o emissor começa a transmitir a sua intenção quando os investigadores recebem um “ok” por telemóvel, para iniciar o processo. Os resultados, monitorizados por um electroencefalograma, têm sido os pretendidos.

A felicidade está subentendida nas pesquisas do LIMMIT, atesta o projecto de Jorge Emanuel Martins, 30 anos, chefe deste laboratório, médico e doutorando em Neurociências. “Estamos a usar redes de proteínas para medir um determinado estado cognitivo”, diz o cientista à SÁBADO.

Marisa Oliveira, colaboradora do Limmit, faz sessões de psicoterapia com recurso a meditação e hipnose.

Será que a felicidade, quando induzida através de boas memórias, interfere na composição proteica da saliva? A indução é feita a uma amostra de 128 participantes, através de meditação guiada. “A ideia é caracterizar o indivíduo saudável, ao nível molecular. Caso haja fundo de investigação, alarga-se o estudo a patologias.”

Outra actividade passa pelo movimento criado por Mário Simões e pela psicóloga Marisa Oliveira: os agentes activos da felicidade, inseridos numa psicoterapia breve. A Psicologia Positiva é transmitida em estados alterados de consciência, atingidos por relaxamento, meditação guiada, hipnose e exercícios respiratórios. O voluntário entra neste ecossistema – com léxico e práticas próprias – e aplica-o no quotidiano.

“Inicia o que na Psicologia Positiva se diz optimismo aprendido. Depois vem a etapa da esperança. A seguir re-significa positivamente o seu passado para atenuar traumas. Segue-se a fase de ‘o corpo fala’ [zonas em sofrimento devido a maus hábitos]”, diz a psicóloga e depois o perdão e a gratidão, a que a co-autora chama “plus”. “São itens mais subtis. Estudos dizem que manter um diário de gratidão [três pequenos apontamentos diários] por 30 dias atenua uma depressão leve e o nível de ansiedade diminui.” Por fim, a metamorfose: “O processo em que a borboleta ainda não o é e tem de repensar todas as outras fases. E ou voa ou recua.” Se voar muda de comportamento e de perspectiva de vida.

Projecto de uma cidade feliz
E se profetizassem esta mudança numa cidade de 30 mil habitantes? Marisa Oliveira lançou a proposta a um município da Beira Baixa e aguarda resposta. Já tinha aplicado o modelo no Brasil, a 500 alunos (de 10 a 12 anos) de Caeté, a 70 km de Belo Horizonte. Melhoraram comportamento, cidadania e o sucesso escolar.

Rosário Mexia, 61 anos, é adepta da corrente. A médica-dentista e docente na Faculdade de Medicina de Lisboa defendeu, em Fevereiro, a tese de doutoramento, em que analisou dores ósseas e musculares provocadas pela profissão – os dentistas têm altos níveis de stress . Quis relacionar estes parâmetros com escalas de felicidade. Concluiu que o stress está associado à felicidade variável, mas não à autêntica e durável. A escala da felicidade-padrão da tese inspirou-se nos ensinos do monge budista Matthieu Ricard, declarado o homem mais feliz do mundo pela Universidade de Wisconsin: o seu cérebro tem a área responsável pelas emoções de felicidade muito desenvolvida. Rosário visitou-o no Nepal. Nunca mais quis estudar outra coisa.

Artigo publicado originalmente na edição nº654 da SÁBADO, a 10 de Novembro de 2016.
por Raquel Lito
Foto: Alexandre Azevedo/SÁBADO
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