As dificuldades de um trabalhador da luz e como vencer a escuridão interna

800 500 Nova Terra | Aveiro

A vontade de ajudar

Para o trabalhador que quer realmente ajudar, muitos são os obstáculos que encontra no exercício do seu dever. A falta de conhecimento e as próprias angústias e dúvidas interiores, contaminam e enfraquecem a sua capacidade de usar os recursos que Deus colocou ao seu dispor, tanto quanto uma alimentação inadequada, ou um vício por vencer. A ajuda que poderia providenciar fica comprometida. O trabalhador que quer realizar o trabalho com Deus sabe que a sua missão é expandir em si mesmo a luz Divina para que os recursos infinitos Dele se tornem acessíveis a si mesmo e para toda a humanidade. Só vencendo em si mesmo a sombra terá recursos para brilhar e ter acesso às divinas ferramentas e santos remédios. Se em si a luz não se acendeu, o resultado dos seus esforços será mediano, ou mesmo insuficiente.

O trabalho por fazer

A maioria das vezes, apenas por ignorância, o trabalhador desconhece a forma certa de atuar, de se posicionar, de como colaborar. Junta-se a este quadro as suas angústias interiores, o ressentimento ou o medo que o impedem de participar. O trabalho que poderia desenvolver, a ajuda que poderia providenciar, fica por fazer.

Outras vezes, quando consegue através da prece, da ajuda dos seus amigos espirituais e da bondade no seu coração, alinhar-se com a energia e sabedoria Divinas, ao fim de algum tempo, esquece que a estrada debaixo dos seus pés ainda é longa, que apenas a Deus deve sempre profundamente em sua alma procurar, e que a vaidade é um gigante que ainda nenhum homem comum venceu. Assim, começa a participar e a envolver-se, mas ainda com um certo isolamento, sem integrar-se no todo, fazendo somente as coisas à sua maneira. Não atingindo a plenitude possível. Novamente o trabalho que poderia ser feito, fica por fazer.

Infinitas são as possibilidades de Deus

Se permanecermos no bem, se a nossa intenção for sincera, tarde ou cedo se acenderá em nós a luz do nosso Criador, e poderemos de facto, ajudar. Venceremos primeiro a preguiça e estudaremos, depois a insegurança e passaremos a atuar, e depois de vencida a vaidade, aprenderemos a ouvir a Deus. Mesmo que seja só por um instante. Quando isso acontece, é fácil perceber como o Amor, a Cura e o Entendimento acontecem perante nós. A energia de Deus flui através de nós para a Ele voltar, carregando todos os seus filhos nos braços. O nosso coração alegra-se e somos também transportados nesse momento tão venturoso – Em que somos Um com Deus, com todos os nossos irmãos, com as circunstâncias e factos da vida. Sentimos o amor, a aceitação, a união.

Individualidade e Relacionamento  –  Conflito

No entanto, é difícil para o homem comum afastar-se da sua individualidade para tornar-se uno com Deus, e capacitar-se das virtudes que permitem a Sua luz operar, dando assim testemunho das infinitas possibilidades do Seu Amor. É difícil permanecer neste estado de bem-aventurança por muito tempo. O que se pensa, sente, acredita, realiza, critica, verbaliza, ressente, afasta, hostiliza, aproxima ou valida, determina a qualidade da sua relação consigo mesmo, com Deus, com os outros e com o mundo. Mesmo que o homem se queira isolar, nunca o poderá fazer completamente. É a Lei do Relacionamento que impõe ao espírito limar todas as facetas do seu carácter, através do convívio com os outros.

Então, neste convívio o homem acredita que precisa da sua individualidade para se distinguir dos demais. Não pode ter o mesmo número de segurança social que os outros, não pode ter o mesmo endereço que toda a sua família, e por aqui podemos desenvolver o raciocínio. Ou seja, o espírito encarnado sente a necessidade intrínseca de se individualizar, para encontrar o seu lugar no mundo. Mas, como todos sabemos, o Caminho de regresso aos braços do Pai é o caminho da Unificação, em que entre mim e o outro não existe separação.

Toda esta dinâmica provoca um grande conflito no ser humano. É uma arte que demoraremos séculos a afinar. “Como fazer as pazes comigo mesmo, e entregar os meus dons pessoais ao serviço de plano de Deus?” “Como ser caridoso e fraterno também para com a sombra existente em mim mesmo, conduzindo-a para a para a união e a luz?” Eis algumas questões que todos nós, trabalhadores, deveremos fazer, com frequência. Devemos treinar o nosso raciocínio a não se acomodar e baixar os braços aos primeiros obstáculos no caminho. A encontrar novas formas de pensar velhas situações. Soluções novas para problemas antigos! Pois se todos temos como objetivo infalível, o nosso melhoramento pessoal, não existe outro caminho. Na verdade existe. É um caminho de dor. Mas temos escolha, além de que o destino é o mesmo em ambos os caminhos! Deus é tão bondoso que além de todos os presentes, ainda nos concedeu a liberdade de escolha.

Os dons a serviço

Meditemos sobre a verdade que carregamos no coração, nas nossas vivências diárias. Sejamos francos connosco mesmo, identificando as partes sombrias de nós que impedem que a luz de Deus brilhe. Observemos a nossa má vontade, a nossa insegurança e hostilidade para com os outros. Observemos onde e a quem nos negamos a amar. Saibamos porquê, para poder perdoar. Ao mesmo tempo que declaramos guerra às sombras em nós, determinados a encontrar cada uma delas, para que possam ser iluminadas pela verdade do amor do Criador, enalteçamos também as nossas virtudes. Aqueles a quem já conseguimos amar, do bem que também nós já podemos criar, e criamos no mundo. Sem procurar parecer santinhos aos olhos dos outros, mas santos para o nosso Senhor. Não só através do sorriso no nosso rosto, mas sobretudo nas emanações que depositamos a todo o instante na vida. Possamos contagiar o mundo de paz e esperança, e apaguemos em nós mesmos todas as expressões de fraqueza e destrutividade, sobretudo a passiva, que tantos estragos velados produz.

As leis de Deus, na verdade são muito simples. “A cada um segundo as suas obras.”

Vivamos aquilo em que acreditamos. Desafiemos as nossas emoções a acompanhar o nosso raciocínio. Desafiemos a nossa capacidade de pensar. Observemos os factos nas nossas vidas sob o lema: se produz dor, ainda não estou na posse do raciocínio correto. Não posso ficar por aqui. Qual será a verdade sadia escondida por detrás da capa da dor? Uma vez descoberta, será fácil de identificar, pois produz sempre resolução e união. Não somos vítimas de ninguém além dos nossos próprios erros e desacertos. Viremos a bússola que aponta o defeito ao outro, a nós mesmos, na busca não da auto punição, mas do poder de reclamar a mim mesmo a responsabilidade pelo resultado negativo, seja ele qual for. E mudemos. Melhoremos. Perseveremos.

Possa cada um de nós desenvolver uma personalidade cada vez mais madura, para que possa dedicá-la sem conflitos aos desígnios de Deus, e assim produzir todo o alívio, entendimento e harmonia que estiver ao seu alcance.

Dada a relevância para este tema partilhamos um pequeno excerto do livro de André Luíz, Os Mensageiros. Por trazer para o quotidiano a sua própria experiência no aperfeiçoamento de si mesmo e do auxílio aos demais, extraímos do livro o capitulo 44, Assistência.

Texto por Maria João Azevedo

Trecho do livro «Os Mensageiros»

Escrito por Chico Xavier, pelo espírito André Luiz, capítulo 44 – Assistência

“A paisagem de sofrimento, desdobrada aos nossos olhos, lembrava-me o ambiente das Câmaras de Retificação. Entendeu-se Aniceto com Isidoro e falou, resoluto:

– Mãos à obra! Distribuamos alguns passes de reconforto!

– Mas – objetei – estarei preparado para trabalho dessa natureza?

– Porque não? – indagou o instrutor em voz firme – toda competência e especialização no mundo, nos setores de serviço, constituem o desenvolvimento da boa vontade. Bastam o sincero propósito de cooperação e a noção de responsabilidade para que sejamos iniciados, com êxito, em qualquer trabalho novo.

Semelhantes afirmativas estimularam-me o coração. Recordei Narcisa, a dedicada irmã dos infortunados, que permanecia, em “Nosso Lar”, quase sempre sem repouso, como prisioneira do sacrifício. Pareceu-me, ainda, ouvir-lhe a voz fraterna e carinhosa – “André, meu amigo, nunca te negues, quanto possível, a auxiliar os que sofrem. Ao pé dos enfermos, não olvides que o melhor remédio é a renovação da esperança; se encontrares os falidos e os derrotados da sorte, fala-lhes do divino ensejo do futuro; se fores procurado, algum dia, pelos espíritos desviados e criminosos, não profiras palavras de maldição. Anima, eleva, educa, desperta, sem ferir os que ainda dormem. Deus opera maravilhas por intermédio do trabalho de boa vontade!” Sem mais hesitação, dispus-me ao serviço. Aniceto designou-me um grupo de seis enfermos espirituais, acentuando:

– Aplique seus recursos, André. Com a nossa colaboração, os amigos em tarefa nesta casa poderão atender a responsabilidades diferentes e também imperiosas. Os mais apagados trabalhadores do bem rejubilem-se pela exemplificação nas lutas comuns e edifiquem-se no Senhor Jesus, porque nenhuma de suas manifestações fica perdida no espaço e no tempo. Naquele instante em que fora chamado a prestar auxílios reais, eu não recorria aos meus cabedais científicos, não me reportava tão somente à técnica da medicina oficial, a que me filiara no mundo, mas recordava aquela Narcisa humilde e simples, das Câmaras de Retificação, enfermeira devotada e carinhosa, que conseguia muito mais com amor do que com medicações. Aproximei-me duma senhora profundamente abatida, lembrando o exemplo da generosa amiga de “Nosso Lar”, entendendo que não deveria socorrer utilizando apenas a firmeza e a energia, mas também a ternura e a compreensão.

– Minha irmã – disse, procurando captar-lhe a confiança – vamos ao passe reconfortador.

– Ai! ai! – respondeu a interpelada – nada vejo, nada vejo! Ah! o tracoma! Infeliz que sou! E me falam em morte, em vida diferente… Como recuperar a vista?! Quero ver, quero ver!…

– Calma – respondi, encorajado –, não confia no Poder de Jesus? Ele continua curando cegos, iluminando-nos o caminho, guiando-nos os passos!

Somente mais tarde lembrei que, naquele instante, olvidara a curiosidade doentia, não pensei na impressão deixada pelo tracoma naquele organismo espiritual, nem me preocupei com a expressão propriamente científica do fenómeno, vendo, apenas, à minha frente, uma irmã sofredora e necessitada. E, à medida que me dispunha a observar a prática do amor fraternal, uma claridade diferente começou a iluminar e a aquecer-me a fronte. Lembrando a influência divina de Jesus, iniciei o passe de alívio sobre os olhos da pobre mulher, reparando que enorme placa de sombra lhe pesava na fronte. Pronunciando palavras de animação, às quais ligava a melhor essência de minhas intenções, concentrei minhas possibilidades magnéticas de auxílio nessa zona perturbada. Dentro de alguns instantes, a desencarnada desferiu um grito de espanto.

– Vejo! Vejo! – Exclamou, entre o assombro e a alegria – grande Deus! Grande Deus! E ajoelhando-se, num movimento instintivo para render graças, dirigia-me a palavra, comovidamente:

– Quem sois vós, emissário do bem?

Dominava-me profunda emoção, que não conseguia sofrear. Confundia-me a bondade do Eterno. Quem era eu para curar alguém? Mas a alegria daquela entidade, libertada das trevas, afirmava a ocorrência, na qual não queria acreditar. A luz daquela dádiva como que mostrava mais fortemente o fundo escuro de minhas imperfeições individuais e o pranto inundou-me as faces, sem que pudesse retê-lo nos recônditos mananciais do coração. Enquanto a enferma espiritual se desfazia em lágrimas de louvor, também eu me absorvia numa onda de pensamentos novos. O acontecimento surpreendia-me. Desejava socorrer o doente próximo e, contudo, estava enlaçado em singular deslumbramento intimo. Aniceto, porém, aproximou-se delicadamente e falou em voz baixa:

– André, a excessiva contemplação dos resultados pode prejudicar o trabalhador. Em ocasiões como esta, a vaidade costuma acordar dentro de nós, fazendo-nos esquecer o Senhor. Não olvides que todo o bem procede Dele, que é a luz de nossos corações. Somos seus instrumentos nas tarefas de amor. O servo fiel não é aquele que se inquieta pelos resultados, nem o que permanece enlevado na contemplação deles, mas justamente o que cumpre a vontade divina do Senhor e passa adiante.

Aquelas palavras não poderiam ser mais significativas, O generoso mentor voltou ao serviço a que se entregara, junto de outros irmãos, e, valendo-me do amoroso aviso, dirigi-me à reconhecida senhora, acentuando:

– Minha amiga, agradeça a Jesus e não a mim, que sou apenas obscuro servidor. Quanto ao mais, não se impressione em demasia com a visão dos aspectos exteriores; volte o poder visual para dentro de si mesma, para que possa consagrar ao Senhor da Vida os sublimes dons da visão.

Notei que a ouvinte se surpreendia com as minhas palavras, que lhe pareceram, talvez, inoportunas e transcendentes, mas, novamente firme na compreensão do dever, acerquei-me do enfermo próximo. Tratava-se dum infeliz irmão que falecera na Gamboa, vitimado pelo, câncer. Toda a região facial apresentava-se com horrífico aspecto. Apliquei os passes dê reconforto, ministrando pensamentos e palavras de bom ânimo, e reparei que o pobrezinho se sentia tomado de considerável melhora. Prometi-lhe interesse amigo, a fim de internar-se em alguma casa espiritual de tratamento, recomendando que preparasse a vida mental para colher semelhante benefício, oportunamente. Em seguida, atendi a dois ex-tuberculosos do Encantado, a uma senhora que desencarnara em Piedade, em consequência de um tumor maligno, e a um rapaz de Olaria, que se desprendera num choque operatório. Nenhum destes quatro últimos, contudo, manifestou qualquer alivio. Persistiam as mesmas indisposições orgânicas, os mesmos fenómenos psíquicos de sofrimento. Terminada a tarefa que me fora cometida, reuni-me ao nosso instrutor e Vicente, que me esperavam a um canto da sala.

– As atividades de assistência – exclamou Aniceto, cuidadoso – se processam conforme observam aqui. Alguns se sentem cura dos, outros acusam melhoras e a maioria parece continuar impermeável ao serviço de auxílio. O que nos deve interessar, todavia, é a semeadura do bem. A germinação, o desenvolvimento, a flor e o fruto pertencem ao Senhor. Vicente, que se mostrava fortemente impressionado, observou:

– O número de entidades perturbadas espanta. Vemo-las, em diversos graus de desequilíbrio, desde “Nosso Lar” até a Crosta. Aniceto sorriu e falou em tom grave:

– Devemos esmagadora percentagem desses padecimentos à falta de educação religiosa. Não me refiro, porém, àquela que vem do sacerdócio ou que parte da boca de uma criatura para os ouvidos de outra. Refiro-me à educação religiosa, íntima e profunda, que o homem nega sistematicamente a si mesmo. “